A SATISFAÇÃO PELO SOFRIMENTO ALHEIO E OS LIMITES DA MORAL E ÉTICA
WANDERSON SILVA MACEDO DE SOUSA


Na série Round 6, nome adaptado para a tradução brasileira, nos apresenta a um grupo de pessoas que aceitam uma competição composta por jogos e a cada jogador eliminado o prêmio em dinheiro aumenta satisfatoriamente, e o último jogador, o vencedor, ganha o montante desse prêmio. Todavia, com um enredo que prende o telespectador desde o início a série destoa da realidade, não apenas por se tratar de uma série em si, mas por abordar questões morais e éticas ao longo da história no mundo moderno, onde a busca incessante pelo sucesso pode significar uma vida plena e feliz ou uma morte medíocre sendo esquecido assim que sepultado e até pelos vermes que um dia irá se alimentar do corpo de quem vos escreve.
A moral e a ética são dois temas abordados desde antiguidade clássica, na Grécia Antiga, pelos filósofos que estudamos nas escolas e cursos universitários, e que os conceitos e definições podem ser empregados em nossa área de vida, e a partir desse ponto extrair conselhos valiosos para quem quer seguir uma vida de virtudes. No entanto, aplicar conceitos antiquíssimos sobre o que é moral e ética e como se deve ser aplicado na cognição coletiva pode ser uma questão desafiadora, pois muitos dos fenômenos sociais hoje presentes na sociedade, principalmente, a ocidental, são fenômenos novos que apenas começaram a engatinhar no século passado, por exemplo, o uso de armas químicas tecnológicas em guerras ou até mesmo a etiqueta em guerra que recomenda o uso de regras para se ter um combate mais ‘limpo’ entre Estados. O fato é que esses conceitos podem ou não estar desatualizados ou apenas esses novos fenômenos estão apenas de máscara nova e repaginados e seguindo por esse raciocínio, pode-se dizer que a humanidade sempre viveu com os mesmos dilemas e vem arrastando ao longo de milênios sem uma conclusão satisfatória para as múltiplas facetas envolvidas.
A série Round 6 pode nos ajudar a analisar, afastado do objeto de estudo, o Outro, e ao mesmo tempo, tão próximo, o Eu, onde ambos se misturam, o limite moral e ético que o outro externo a mim, pode ultrapassar ou se quer mesmo considerar a sujeitar-se a conflitos internos que podem afetar a si e à pessoa ao lado. Quando um jogador é eliminado, diferente dos demais jogos físicos na realidade, ele é morto por não cumprir as regras ou por não conseguir vencer o jogo, de início os sobreviventes sentem temor e transtornados com a brutalidade manifestada diante deles. Vale ressaltar que, após cada jogo, os competidores possuem o direito de convocar uma votação para decidir se o jogo deve ser interrompido ou seguir normalmente, isso é significativo mencionar, pois a questão da liberdade está diretamente ligada à questão moral e ética.
Ao perceberem que a vida real e a punição dos jogos são quase que primas próximas, pois se na vida real caso não obtenha um sucesso mínimo, a morte o espera, seja morte social ou biológica, sendo que a morte social pode ser, em grande parte, pior que a morte de tecidos biológicos. Eles decidem voltar para a competição e é nesse momento que a fronteira entre o que os tornam humanos e selvageria animalesca humana, sim, humana, visto que nem um animal, de meu conhecimento eliminiar um semelhante por ganância, diferente de sobrevivência. Durante toda a narrativa vemos que alguns são contra os jogos mesmo terem decidido voltar para a arena, o que nos mostra um aspecto interessante de contraste dentro do próprio ser que ao saber que pode ser morto ainda sim decide realizar essa escolha, mostrando que muita das vezes o instinto social de sobrevivência é maior e mais intenso que o instinto biológico de viver a qualquer custo e este último se mescla quando o final da competição chega perto do fim.
Mas o importante a se analisar de fato é que os próprios jogadores que votaram no início para que as partidas continuassem são os que defendem o próprio sistema de regras dessa competição, haja vista que ao saber que o prêmio aumentaria a cada jogador eliminado, em seu julgamento interno e criando desculpas para justificar a escolha que fizeram como, por exemplo, as dívidas estratosféricas, as utilizam para embasar e argumentar a sua própria consciência de que vale a pena matar ou apenas de forma indireta, pessoas desconhecidas que são meramente rivais ou apenas um obstáculos a ser ultrapassados. Mesmo que não importe qual justificativa escolher ainda, sim, a capacidade de se autoenganar para obter um ganho é presente nas esferas sociais do nosso mundo, principalmente, as ditaduras que possuem apoio popular ou leis em países democráticos que podem restringir a liberdade de pensamento em nome de um bem ainda maior, mesmo que esse bem maior ainda seja desconhecido ou ao menos nem citado, apenas com um nome vago e genérico como dito na palavra democracia.
As pessoas lutarão para manter os possíveis benefícios, mesmo que às custas de vida de outrem, e mataram entre si com o mesmo objetivo para sustentar uma rede que os prendem e os tornam reféns que causa esse infortúnio e que por muito das vezes resulta em indivíduos desvairados e com comportamentos sordidez. Isso tudo descrito mesmo que aconteça dentro da série de ficção, descreve muito bem a nossa realidade onde estamos inseridos e esquecemos que os provocadores dessa competição estão sentados em uma sala vip, tratados com as melhores comidas e bebidas, deliciando-se com a voluptuosa sofrimento entre os meros jogadores só porque se encontram entediados.